quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

ALVO ÁLVARO


O despertador do celular já havia chamado Álvaro para se levantar e como ele não despertou, passados cinco minutos o aparelho tentou novamente, em vão. O rapaz estava cansado, pois passou a noite estudando uma cena para apresentar no curso de teatro que faz a noite. Não despertou por que sonhava com o sucesso de sua cena, com os parabéns no final e com o beijo da amada Sueli até que o diretor de sua escola apareceu no sonho lhe entregando um boletim todo vermelho! Álvaro acordou assustado e ao consultar o horário no celular seu coração disparou: estava vinte minutos atrasado.

- Droga, vou ter de ir sem tomar café de novo! Reclamou correndo para o banheiro.

Este parecia ser um dia daqueles, pois seu tênis não havia secado do banho que levou na noite anterior na saída do teatro quando um motociclista passou em cima de uma poça d'água para ensopá-lo com a água que subiu quase dois metros. Calçou os chinelos encardidos que nunca o deixaram na mão, vestiu o uniforme e saiu correndo do quarto. Percebeu estar esquecendo os óculos ao bater com a testa na quina da armação da televisão preto e branco da sala. Pela manhã nem repara que as coisas não tem contornos nítidos...

Sua mãe já havia saído para o trabalho e não o chamou, pois ele normalmente sai antes dela. Sua irmã dormia como um anjo usando seu cobertor favorito que perdeu para ela por uma semana em uma aposta besta: quem pegava mais amoras no quintal da vizinha... saiu com uma camiseta completamente manchada e um cobertor a menos.

Ao sair de casa o sol feriu um pouco seus olhos, mas logo se recuperou, mesmo que mais lentamente do que qualquer outra pessoa. Chegou no ponto de ônibus e lamentou por encontrá-lo vazio, pois tinha dificuldade de enxergar o letreiro de destino e normalmente muitas pessoas vão para aquela direção, mas neste horário todos já se foram. Olhou em volta, mas não havia ninguém por perto... Lá adiante, na esquina avistou um veículo grande e falou para si mesmo:

Será que é um ônibus?

Da última vez que teve esta dúvida era um caminhão.

É um ônibus. Tenho certeza!

No fim estava tentando se convencer disto.

Será que é o meu ônibus?

E era de fato um ônibus que passou direto por não ter sido feito sinal algum para que parasse.

É. Era meu ônibus.


Quarenta minutos depois Álvaro chega na portão de sua escola, respira fundo avança... tropeça logo no terceiro degrau da entrada e seu chinelo direito parte a correia de modo que não consegue mais acertar. O guarda tenta impedi-lo de entrar descalço, mas deixa que ele converse com a coordenadora da escola. Ela o conhece e depois de muita conversa e repreensão sobre asseio e bons hábitos permite que entre. Ao chegar na porta de sua sala de aula e a professora olha para ele com ar de reprovação e fez sinal para que nem entrasse. Foi então que ele olhou seus colegas de classe, todos debruçados sobre uma folha de papel: prova de matemática!

- Droga – sussurrou para si mesmo saindo da porta e voltando para o corredor para preparar uma desculpa para driblar a situação.

PANIS ET CIRCENCIS - CHUVA


A arma ainda fumegava naquela noite fria de garoa fina. O corpo estatelado no chão perdeu rapidamente seu calor, interrompendo o curso da enxurrada que descia o morro, vermelha a partir daquele ponto. Cinco tiros covardes a queima roupa e uma bala intacta cuidadosamente colocada na cena do crime. Na bala, o nome da vítima. Um capricho de quem quer ser lembrado. Instantes depois uma moto roncou alto denunciando a fuga e avisando aos curiosos que já podiam se aproximar e ver o novo assunto ainda fresco no chão. Uma mãe gritou desesperada, um pai emudeceu e uma irmã desmaiou. Não terá pão esta manhã, pois o padeiro não conseguiu chegar ao seu posto de trabalho.

As viaturas da polícia cercavam o trailer multicolorido enquanto o povo curioso empoleirava o terreno ocupado pelo circo esperando por informações sobre o crime. No barro, marcas de pisões profundos e uma linha riscada mostravam que alguém saiu correndo e fugiu de moto. Um policial saiu do trailer com um saquinho transparente de evidências. Todos puderam ver do que se tratava antes que ele guardasse numa caixa: uma bala de revólver. A última de um tambor, a única não disparada. Todos sabem que o espetáculo não pode parar, mas esta noite não terá palhaço algum no picadeiro, girando e caindo, pois o artista do riso já estava caído de bruços voltado para sua única máscara: um nariz vermelho.