quinta-feira, 10 de março de 2016

A INTOLERANTE, OS APAIXONADOS E O TELEPATA

Entrei no ônibus e me sentei ao lado de uma senhora. Continuei a leitura de um livro que trazia comigo para estas ocasiões, e então percebi a inquietação de minha vizinha de assento. Olhei para o banco da frente ao nosso e percebi (pela fala e trejeitos) que os ocupantes - dois rapazes - eram gays, e conversavam bem baixinho sobre preferências musicais e artisticas.


Perfeitamente normal: gente se gostando e gente desgostando de gente se gostando.


Até que em dado momento, as preferências combinaram e um deles, feliz, deu um beijinho na bochecha do outro. A mulher não emitia som algum, mas fez uma cara de tamanha surpresa seguida de indignação que eu me surpreendi dela não ter enfartado ali. Passou a balançar a cabeça negativamente, quase não se contendo.


Por coiscidência os rapazes desciam no mesmo ponto que eu, pois se levantaram para sair. Daí quando o ônibus abriu a porta, eu não resisti; me aproximei mais da senhora e sussurrei em confidência:


- "Se mais alguém pudesse ouvir o que você pensou, estaria bem encrencada..."


Desci do ônibus e a vida segue normal, mas acho que até agora aquela senhora está com aquela cara de espanto e se perguntando se deixou escapar algo ou se eu ouvi mesmo as merdas que ela estava pensando.


Cuidado crianças, pensar alto também ofende.

A FONTE DO DESABAFO - 2


MERGULHANDO


Acho que separei minha tristeza pra não me machucar.
Guardei minha melhor tristeza pra você, pois era feliz ao ser triste contigo.
E quando você não apareceu eu sofri.
Mas um sofrimento diferente…
Um sofrimento semelhante ao coitado que ao morrer, percebe não existir deus algum a quem recorrer, nem demônio algum para lhe purgar os erros por meio da pancada. Apenas o vazio interminável e um bando de gente perdida com quem não se consegue conversar.
Percebo hoje que você nunca existiu além de mim, e por isso dói tanto. Eu te criei para filtrar a dor de existir e quebrá-la em tantos pedaços que fosse possível suportar de cada vez.
Mas ela nunca foi embora…
Já esteve tão minúscula que até cheguei a pensar que era feliz. Eu me permiti sonhar, fazer planos e acumular algumas vitórias…
Tudo isso para aumentar a profundidade do poço em que seria jogado quando ela voltasse!
Como sabe, sou filho da sombra. Apesar de portar alguma luz, é na penumbra que me realizo, é na escuridão que me desnudo e nas trevas que me calo.
Preciso mesmo de um público, eu sei. Minha pequenez se agiganta quando estou só por muito tempo.
Preciso… eu preciso…
Eu preciso ser você! A Fonte do Desabafo, claro! Poder ouvir todas as histórias, sofrer e gozar junto, sendo a peça fundamental de tantas vidas! Aquele a quem se recorre sem nunca duvidar de sua discrição. Aquele que no silêncio traz todas as respostas omitidas pelo coração de quem pergunta! Aquele que se apraz com tanta dor sem nem chegar perto de ser egoísta... ou... cruel…
Espere aí… eu entendi…
Eu entendi!
Eu já sou você!
Tantas pessoas desejam que sua dor seja menor, que toma parte delas para si, cria essas consciências autônomas e as conduz ao redor dos sofredores originais…
É aqui que acaba, não é mesmo? Tendo adquirido a ciência de tudo, volto a ser uno…
É este o mistério da vida! Assim que se descobre quem é e o que pode fazer, as dores ficam mais fáceis de suportar.
Sendo assim, sejamos um.

A FONTE DO DESABAFO - 1

DESABANDO




- Toda vez que fujo de minhas próprias regras, minhas diretrizes lógicas ou meus escudos invisíveis, eu perco algo para sempre.

- Não se preocupe: ainda há muito o que achar ou perder em você.

- Não está ajudando.

- Não estou tentando.

- Está fazendo o quê então?

- Estou sendo a Fonte do Desabafo. Ouvir minha voz é o preço.

- Em dias assim só me restam goles secos de vinho e lágrimas...

- E tinta... E papel... E a crise... Toda crise é produtiva aos artistas. Alguns chegam, inclusive, a buscá-la, ignorando suas próprias regras, diretrizes lógicas e escudos invisíveis.

- Deixa pra lá. Seu preço é alto demais pra mim hoje.